No bloco D, reside uma família de evangélicos. Lá, moram o
pai e a mãe, duas moças e dois rapazes. O pai, há anos, é pastor de uma igreja
evangélica no bairro. Sua senhora também é membro da mesma igreja, assim também
como seus filhos. Nos corredores do condomínio, a vida do pastor é falar das
meninas: adolescentes que transitam normalmente de shorts, calça jeans, maquiagem,
pulseirinhas e cabelos pintados. Aos meus olhos, nada de anormal. Já na opinião
do pastor, a coisa não é tão simples assim.
Comentários como: “Estão todas perdidas”, “Essas meninas não
têm pai. Se brincar, já são mulheres do mundo”, “Se eu fosse o pai delas,
estariam na igreja”, são diários pelo condomínio.
No apartamento do pastor, ninguém usa short e muito menos
bermuda ou calção. Os homens vestem calças sociais 24 horas por dia. As
mulheres, uma espécie de vestido de cor em tom pastel que vai do pescoço até o
chão. Quem muito olha, com sorte, consegue-se ver um pedaço do calcanhar. Se
bem que eu respeito e não olho mesmo.
A igreja do pastor é perto do condomínio, quem transita no sentido
centro-bairro, ou vice-versa, acaba passando em frente. Nas quartas à noite, o
culto é no terreno na porta da igreja. “Quem tem ouvidos que ouça”, diz o
pastor aos gritos no microfone enquanto ler uma das passagens bíblicas. No
caminho de casa, reflito sobre as criancinhas e idosos que têm seus sonos
interrompidos diante de tanto entusiasmo. E quem assiste novela? E o Jornal
Nacional? É, mas para alcançar a salvação há quem diga que é preciso ouvir pastor.
Mas como diz o ditado que de perto ninguém é normal, a vida
do pastor não seria uma exceção e logo viraria notícia na bendita portaria do
condomínio. Noite dessas, uma ação policial em um terreno usado como campo de
futebol, próximo ao condomínio, abordaria um casal transando no escurinho.
Depois da abordagem, a viatura com os policiais veio na direção do condomínio e
dentro, o casal detido por ato obsceno. Apesar de já passar das 21h, podia-se
ver cães, gatos e moradores do prédio arrumando desculpas para ir, discretamente,
até a bendita portaria ver do que se tratava.
A jovem detida era uma das filhas do pastor. A cena era
inacreditável e, para o pastor e pai da menina, de um constrangimento
gigantesco. Claro que não tinha nada demais uma jovem acompanhada do seu namorado
se divertir, mas para os policiais, apesar de ser crime, era uma ação perigosa
tendo em vista o mundo tão violento que vivíamos.
Mesmo constrangido, o pastor agradeceu a ação dos policiais
e entrou no condomínio acompanhado de sua filha. O jovem foi liberado, mas sem direito a beijo de
despedida. Nesta noite, graças a Deus, não ouvimos nenhum barulho vindo do
apartamento do pastor e, desse dia em diante, o líder religioso não se atreveu
mais fazer comentários calorosos sobre ninguém. Meses depois, o pastor invadiu o tal campo de futebol onde sua filha foi apanhada. Ele cercou e construiu duas casas pequenas. Acho que para garantir a invasão. O terreno é da prefeitura e deveria ser um local para a construção de uma praça ou talvez um mercado público. O fato é que, até agora, nenhuma providência foi tomada parte dos órgãos públicos. No entanto, nós que fazemos o condomínio desejamos, verdadeiramente, que o pastor e sua filha deixem mesmo de achar que aquele terreno é só para uso deles.